quarta-feira, 23 de março de 2011

A vilania da Apple ou a nossa própria?


Para quem ainda não viu, a capa da última edição da revista “Wired” é um soco no estômago. No nosso e no da Apple. Simplesmente diz assim “Um milhão de trabalhadores. 90 milhões de iPhone. 17 suicídios. É daqui que os seus gadgets vêm. Você se importa?”

A pergunta é logo de cara respondida pelo próprio autor – Joel Johnson é o editor do Gizmodo, que todo mundo que me lê deve conhecer. Louco por tecnologia. Como nós. Viciado em gadgets e brinquedinhos de adultos. Como nós. Mas Joel está preocupado – e nós, não. Por isso, ele nos leva, na matéria, a uma viagem à maior fábrica de gadgets da China, a Foxconn, um conglomerado gigantesco que produz os aparelhos que vão acabar nas mãos de nada menos que 150 milhões de pessoas. Como nós e como todos os clientes da Apple, que no caso da reportagem Joel cita apenas como exemplo, uma vez que a Foxconn tem outros clientes, apesar de a Apple ser o maior deles.

Por que Joel foi fazer a tal visita à China? Porque ficou impressionado com um número – 17 suicídios cometidos dentro do conglomerado nos 20 anos de sua existência – todos “puladores” (jumpers). “Ah, como assim”, dirão alguns, “o número é pequeno, vai”. Sim. Mas foram nove suicídios entre março e maio de 2010. Como assim? O que terá acontecido àquela indústria – ou o que vem acontecendo nos últimos anos à indústria como um todo – para que de repente o número de suicídios tenha aumentado tanto? Desesperança? Excesso de trabalho? Cansaço? Mundo capitalista? Ou tudo junto? E o que eu tenho a ver com isso?

Foi o que o editor da Gizmodo se propôs a descobrir. Foi bem recebido pela agência de RP internacional, pelos diretores da companhia e fez tours guiados pela Foxconn. Conheceu a cafeteria – que, diz ele, está sempre quase vazia –, a cantina aonde são feitas as refeições e os enormes espaços de recreação, nos quais os funcionários podem fumar seu cigarrinho e falar da vida. O problema é: que vida, já que o tempo que o funcionário passa montando componentes de aparelhos – principalmente da Apple – consome maior parte do dia e, quando os turnos acabam, ele está tão cansado que o máximo que é capaz de fazer é ir para o alojamento (sim, eles o oferecem), passar um tempinho com os companheiros de quarto, ver TV e dormir, para começar tudo novamente no outro dia? Pega peça, junta peça, encaixa peça, 10, 11, 12 horas seguidas.

Mas não são os robôs responsáveis pela parte, digamos, mecânica da montagem de equipamentos como MP3 players, iPhones, iPads? Pois é: nas fábricas da China, diz Joel, os robôs são os homens. E onde está a nossa culpa nisso?

Aqui reside um tópico interessante. Joel admite que ele mesmo passou toda a carreira escrevendo sobre gadgets em blogs e sites como Gizmodo e Boing Boing, e que nunca tinha se tocado de que aqueles produtos vinham de algum lugar. Até que ficou sabendo da quantidade de suicídios na tal fábrica. E, diz ele, a culpa pesou. A culpa do seu consumismo – e aqui já adianto a conclusão a que ele chegou no final do artigo: “Quando 17 pessoas tiram suas vidas, eu pergunto a mim mesmo: eu, em meu desejo de ter, acabei ferindo-os também? Nem que seja um pouquinho? E é claro que a resposta, inevitável e imensurável como a vibração de nosso sol, é sim. Um pouquinho”.

Um relatório do “The Mail on Sunday”, da Inglaterra, de 2006, tinha acusado a Foxconn de forçar seus trabalhadores a longos turnos de trabalho repetitivo em busca de quotas a serem alcançadas simplesmente intangíveis. Tal relatório acabou forçando a Apple a realizar uma auditoria, que concluiu que não havia indícios de excesso de trabalho além do permitido pelo Código de Conduta chinês – 60 horas de trabalho por semana.

Mas, em abril de 2010, o jornal chinês “Southern Weekend” enviou um jovem repórter para trabalhar disfarçado na Foxconn por um mês. Ele descreveu casos de desesperança e “trabalho voluntário além dos turnos”. Já um relatório de outubro de 2010 da organização “Students and Schools Against Corporate Misbehavior” (algo como estudantes e escolas contra o mau comportamento corporativo), baseado em Hong Kong, descobriu que a média de trabalho dos funcionários da Foxconn, por dia, é de 12 a 13 horas direto – isso só para a produção da primeira geração do iPad.

Joel lembra que para muitos o fato de aquelas pessoas terem um trabalho pode ser considerado uma benesse, ainda mais numa sociedade que exige cada vez mais de cada vez menos pessoas – e até no Brasil observamos a busca por um mundo corporativo mais competitivo, no qual quem busca qualidade de vida acaba sendo chamado de “preguiçoso”. Ele lembra, no entanto, que o trabalho é humano, mas o excesso de trabalho não o é.

E a confissão do editor que mais me tocou foi “Eu escrevi milhares de palavras sobre coisas. Normalmente coisas com eletricidade dentro delas. Mas não sou mais capaz de pensar no mundo material, agora, como uma coleção de objetos mas também de interfaces, histórias e materiais.”

E por que eu resolvi escrever sobre essa matéria que me tocou tanto? Porque também não sei se sou capaz de escrever sobre produtos, agora, como sendo meros objetos de consumo desenvolvidos por robôs. A sociedade do consumo nos leva a querer sempre mais – um iPad, um iPhone, um MacBook, um iPad, tudo junto. Mas será que sequer por um minuto lembramos de quem os constrói? Deixo para vocês o questionamento. A mim incomodou. E muito!

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